terça-feira, fevereiro 07, 2006

Epá, se não há dinheiro para um latinista...

...ao menos vão a um qualquer site de gramática latina. A Super Bock contratou uma agência de publicidade qualquer para promover a sua nova cerveja, a Super Bock Abadia, e num dos outdoors pode ler-se "magica et splendidus". Eu nunca estudei latim na escola (presumo que estejam a tentar usar essa língua), mas basta um conhecimento mínimo para perceber que nem o género de ambas as palavras está coerente. Tenho até a impressão que a palavra mais usada para cerveja em latim é do género neutro ("fermentum"), portanto, ambos os adjectivos do slogan terão a declinação errada. Para mais informações ver "The Life of Brian" dos Monty Python...

Declaração do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros sobre a crise dos cartoons

"Portugal lamenta e discorda da publicação de desenhos e/ou caricaturas que ofendem as crenças ou a sensibilidade religiosa dos povos muçulmanos.

A liberdade de expressão, como aliás todas as liberdades, tem como principal limite o dever de respeitar as liberdades e direitos dos outros.

Entre essas outras liberdades e direitos a respeitar está, manifestamente, a liberdade religiosa - que compreende o direito de ter ou não ter religião e, tendo religião, o direito de ver respeitados os símbolos fundamentais da religião que se professa.

Para os católicos esses símbolos são as figuras de Cristo e da sua Mãe, a Virgem Maria.

Para os muçulmanos um dos principais símbolos é a figura do Profeta Maomé.

Todos os que professam essas religiões têm direito a que tais símbolos e figuras sejam respeitados.

A liberdade sem limites não é liberdade, mas licenciosidade.

O que se passou recentemente nesta matéria em alguns países europeus é lamentável porque incita a uma inaceitável «guerra de religiões» - ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta, Abraão."


Comentário: Não sei se vale a pena comentar sequer. Enfim, mais uma demonstração da nossa "realpolitik" ranhosa e subserviente. O curioso é que, lendo estas linhas fico ainda mais confuso sobre qual é a linha política do Freitas do Amaral: pela referência à Virgem Maria, parece abraçar a sua origem política; já na estória do respeito e da sensibilidade religiosa alheia, revela-se na sua faceta "bloquista" mais recente.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O 25 de Abril na campanha: pequeno desabafo

Algum dia tinha de acontecer. Com uma carrada de candidatos "de Abril" contra um candidato "do não-Abril", só espanta aliás é que tenha sido necessário esperar por sexta-feira passada para Alegre reclamar o exclusivismo da paternidade do 25 de Abril, depois de Ramalho Eanes também o ter, mais subtilmente, feito. Felizmente no domingo mostrou-se mais sereno e parece ter emendado a mão. É necessário que duma vez por todas Portugal se decida sobre o que foi e é o 25 de Abril, e para que é que ele serviu. Quase 32 anos depois, continuamos a julgar alguém por "onde é que estava no 25 de Abril de 74", como se sé os que estavam num certo sítio que eles próprios delimitaram é que tivessem legitimidade para responder, proteger e gozar da democracia e da liberdade de expressão. Ou não foram essas as conquistas do 25 de Abril? E ao contrário do que alguns pensam, ainda o digo enquanto pessoa que se tiver de definir como de esquerda ou de direita, escolho a primeira.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

As pilhas do Mundo

No princípio era cada um por si. Depois alguns começaram a associar-se em grupos e clãs. Mais tarde apareceu o Homo sapiens e surgiram cidades e países. Entretanto, as cidades e países mais poderosos conquistaram os mais pequenos e chamaram-se impérios. Finalmente, veio a ideologia da auto-determinação, e o mundo tornou-se um lugar melhor e mais bonito.
Ou não?
A verdade é que é muito bonito falar de independência e desígnios nacionais, mas o mundo tem um defeito de fabrico: não é homogéneo. Por alguma razão obscura (mas não são imperscrutáveis os desígnios divinos?), parece que há regiões de clima e recursos abençoados, e outras que no plano inicial deviam servir para albergar os desgraçados da família Caim. Como nunca parámos de fazer filhos, até os honestos Abéis (não confundir com guradas Abéis) tiveram de se espalhar por todo o lado. Eis-nos então chegados à nossa triste situação: condenados a importar gás natural da Argélia e petróleo do Médio Oriente. Como é que se pode então falar de independência se dezenas e dezenas de países no mundo não são viáveis sem os recursos energéticos que outrem, muito piamente, lhes vende? No mundo moderno, falar de independência política per se é um simpático romantismo, mas a questão vital é a da independência energética. E nisso, nós em Portugal, somos muito pouco independentes. Temos uns empreendimentozitos hídricos e eólicos, mas se não fosse o gás natural para acender o fogão e o petróleo para queimar em Sines e atestar o depósito, bem podíamos ir à lenha e atrelar os bois.
Claro que ninguém é parvo, e as nações há muito tempo repararam nisso, especialmente aquelas que são mais desenvolvidas e simultaneamente mais dependentes, ie, a Europa Ocidental. E se o público que anda de metro e toma banho todos os dias de manhã, nunca tinha parado para pensar nisso, pelo menos para lá dos Pirinéus, na Europa desenvolvida digamos, devem ter finalmente parado para pensar nisso esta semana, quando se descobriu que devido à guerra do gás entre a Gazprom (leia-se Kremlin) e a Ucrânia (leia-se Revolução Laranja), a pressão no gasoduto que leva o gás natural da longíqua Rússia para a Europa Central diminui consideravelmente. Ou seja, havia menos gás a circular. Nós por cá, confortavelmente sentados no topo do nosso negócio de gás com a Argélia, esse estável e respeitável estado do Magreb, nem reparámos.
De há uns anos a esta parte, a Europa tem então investido um pouco nas energias renováveis, mais nalguns países que noutros (que nisto do vento e do Sol passa-se o mesmo que com o gás, o petróleo e os boys, a distribuição é anisotrópica). Na Dinamarca, por exemplo, quase metade da energia eléctrica consumida é obtida em geradores eólicos no Mar do Norte. Por cá, é o que se sabe.
O que importa dizer no entanto, é que, mesmo que se cubram todos os telhados com células fotovoltaicas e todos os cabeços sem ermidas com geradores eólicos, dificilmente deixaremos de depender de alguém, para além de que ninguém está disposto a esse investimento, especialmente no que à energia solar diz respeito...
É, pois, minha convicção que a Europa e Portugal têm que pensar seriamente numa certa opção, mesmo que essa não seja a única (e não digo que deva ser, acho muito bem que se invista e se procurem novas e melhor soluções a nível de energias alternativas, de preferência articuladas com a indústria): o nuclear!

Requiam pela Palestina

Por estes dias assistimos à maior orgia mediática sobre o estado de saúde duma pessoa desde a morte de João Paulo II há quase um ano. É Ariel Sharon, o polémico general, político e primeiro-ministro israelita que, depois dum "ligeiro AVC", expressão popularizada pelo Eliseu há uns meses, teve agora um "grave AVC" e encontra-se em estado bastante crítico, senão mesmo às portas da morte. Parece que só um milagre é que o fará voltar à política activa, e disputar as eleições gerais de Março com o seu novo partido centrista, o Kadima. Embora ainda esteja tudo muito a fresco, e uma sondagem indique inclusive que o Kadima ganhará mesmo sem Sharon, custa a crer que nada mude nos próximos dois meses. Quem o sabe e tem a benificiar mais com a ausência do carismático primeiro-ministro, na minha opinião pessoal a personalidade do ano em 2005 e o mais importante líder de Israel desde Rabin, ou mesmo desde Ben-Gurion, são obviamente Netanyahu, e o Hamas e demais radicais palestinianos. Nenhum deles, especialmente os últimos, deseja uma evolução positiva do conflito e uma solução para a Palestina. Numa ironia da História, com a degradação da condição clínica de Sharon, o "carniceiro de Chatila", é também a possibilidade dum futuro menos sombrio para a Palestina a médio prazo que parece expirar também, a cada informação duma nova hemorragia cerebral do primeiro-ministro, e a cada reacção de euforia do presidente do Irão a essas notícias.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Post a fugir da norma

No meio de todas as catástrofes ambientais e climáticas, entalado entre o fogo cruzado de todas as discussões científicas, pseudo-científicas e políticas sobre as alterações climáticas, sentindo na pele a bizarria cresecente das estações tradicionais, é com conforto que constato que o Verão de S. Martinho ainda é o que era!

P.S.: Bem sei que o S. Martinho é só amanhã, mas hoje é que vou comer as castanhas. Enquanto houver castanha assada, água-pé e amigos a aquecerem-nos o corpo e os corações, quero lá saber das presidenciais e da crise!

quarta-feira, novembro 09, 2005

Há 70 anos em Bagdad...

...produzia-se propaganda bem mais lúcida que nas décadas seguintes. Nem sempre o progresso acompanha o calendário; essa é a lição do século XX.

segunda-feira, novembro 07, 2005

A intifada francesa?

O título de capa da edição de hoje do Público é "A Intifada Francesa". Entretanto o Luís disse-me que a expressão não é deles, o que é previsível. Aliás, só me espanto de, quase duas semanas depois, ainda nunca a ter lido na imprensa nacional até ter passado esta manhã pelo quiosque. De facto os paralelos com a Intifada palestiniana parecem bastantes, a começar pela associação religiosa e a acabar em alguns dos métodos de combate/distúrbios. No entanto, essa expressão, Intifada Francesa, está completamente errada na minha opinião.
A expressão Intifada surgiu após o levantamento palestiniano de 1987 que, segundo os próprios, seria um protesto contra o que viam como a repressão israelita (assassinatos extra-judiciais, demolição de casas, deportações, discrimações várias, etc.), e certamente nascida também dum sentimento de impotência e abandono causado pelos processos de paz entre Israel e alguns dos seus vizinhos árabes como o Egipto e a Jordânia. O termo em si, é uma latinização duma expressão em árabe que significa algo como levantamento, agitação ou ruptura. Até aqui, nada de novo, continua a parecer haver muitos paralelos com os acontecimentos de França.
No entanto, as expressões são criadas para acompanhar os acontecimentos no terreno, para acompanhar a realidade. Sendo assim, parece-me que chamar de Intifada ao que se passa em Paris e noutras cidades francesas há quase duas semanas é uma falácia. E é uma falácia porque, tenha-se a opinião que se tiver sobre o conflito do Médio Oriente, aí havia uma noção relativamente clara de quais os motivos do confronto, de quais as causas por que os manifestantes se batiam, quem era o alvo, qual era a sua base de suporte, ou quão disseminadas essas ideias estavam pela comunidade de origem.
Em França nada disso existe, e pior que isso, chamá-lo de intifada é, na minha opinião, conceder subtilmente uma legitimidade inaceitável aos métodos e objectivos dos grupos de jovens que incedeiam carros e edifícios naquelas noites aparentemente tão longínquas do Sena e da cidade-luz. Porque os primeiros são intoleráveis num estado de direito, e os segundos são nebulosos, incoerentes ou intangíveis na melhor das hipóteses.
A questão que me parece essencial aqui é a associação que se faz entre esses tais grupos e as comunidades de onde serão oriundos no seu todo. Por motivos de guerrilha política, foi conveniente para muita gente que Nicolas Sarkozy, mais as suas declarações politicamente incorrectas, aparecesse inicialmente como um incendiário quando deveria ser o comandante dos bombeiros. Não importa aqui quão despropositadas ou descontextualizadas essas declarações tenham sido, mas o escândalo decoroso duns, e o silêncio táctico doutros (os próprios Primeiro-ministro e Presidente da República entre os últimos), permitiram que se identificassem as comunidades de imigrantes dos bairros degradados dos subúrbios com os desordeiros, que aos olhos dos Estado (ou pelo menos departe dele, Sarkozy e os seus neste caso) todos fossem simultaneamente os racailles, a canalha, do Ministro do Interior.
Ao fazerem isso, deram aos combates de rua a legitimidade que jamais poderiam ter, e deram aos que diariamente icendeiam os seus próprios bairros, um objectivo político irrealista e inaceitável. Ou seja, a partir de então passou a existir uma guerra com o Estado, que depressa se tornou numa guerra com Sarkozy, ie, com uma parte do governo. Como condição para o fim da violência apela-se ao despedimento do Ministro do Interior, como se algum governo com um mínimo de decoro e amor-próprio pudesse sequer pensar em ceder a bandos de desordeiros. Porque, por muito justas que sejam as reivindicações e queixas das pessoas e comunidades que habitam esses bairros degradados da periferia das grandes cidades europeias, jamais podem ser representados por aquilo que esses grupos são na realidade, bandos de desordeiros (e se não são desordeiros no dia-a-dia, nisso se transformam todas as últimas noites)! E nenhum de nós pode cair no erro de os considerar outra coisa que não isso, e de os confundir com as suas comunidades de origem, ou a luta duns com a dos outros.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Blue Train

Dispensa texto...

Século XIX? Prazer em conhecê-lo!

Quando nos deparamos com resumos da História de Portugal orientados para o grande público, por exemplo, em artigos de enciclopédias ou revistas de promoção turística, verificamos que quase todos começam por referir brevemente alguns povos do Bronze e do Ferro, em particular os Lusitanos que são óptimos para logo de seguida introduzir a romanização. Seguem-se brevíssimas referências aos Godos e Muçulmanos, e de seguida entra-se finalmente na História de Portugal propriamente dito. A Reconquista tem sempre destaque, mas o resto da Idade Média nem tanto, para depois se introduzir a "revolução" de 1383/85. A partir daí entramos na época áurea da História e amplos parágrafos nos dão a conhecer o Infante D. Henrique, os navegadores, as viagens, os reis e as conquistas. Em 1580 a luz do país apaga-se e voltam a acendê-la em 1640. Os redactores entram então em velocidade de cruzeiro ao escreverem sobre o Brazil, o terramoto e o Marquês, as invasões francesas e a independência da colónia sul-americana. Por esta altura o artigo já vai longo, mas ainda é necessário dedicar algumas linhas à implantação da República, à ditadura de Salazar e à Revolução dos Cravos e consequente normalização democrática e independência das colónias africanas. Em 1986 Portugal adere à CEE. E pronto, está feito! "Então mas... e o século XIX?", pergunta o leitor mais curioso. Ah, é verdade, entretanto houve uma guerra civil ganha pelos liberais, um mapa côr-de-rosa e uma monarquia cada vez mais podre que em 1910 nem deu luta. "Ok, obrigado!"

O século XIX fica assim comprimido entre as memoráveis glórias e desgraças do passado anterior e as críticas convulsões do seguinte, que no fundo ainda é o nosso século (quantos é que quando ouvem a expressão "século passado" não a associam ainda ao século XIX?). Mesmo descartando o âmbito específico do tipo de artgos que referi acima, o português médio (o que quer que isso seja- aliás, até tenho medo de o descobrir) pouco ou nada sabe dos anos de 1800s para além do seu início e do seu final (que para todos os efeitos, em Portugal é 1910, não 1900). E no entanto, o século XIX foi um periodo de grandes transformações e acontecimentos, e a Grande Parideira Pátria foi bem generosa em dar à luz imensas personagens influentes na vida nacional dos últimos 200 anos. Porque razão é que cento e tal anos e 3 Constituições depois (1911, 1933 e 1976) esses anos são tão pouco conhecidos e discutidos fora dos círculos académicos, e ainda aí, só mesmo nos últimos anos. É muito simples: politicamente, o século XIX foi o século do liberalismo e da monarquia parlamentar. A I República tinha o dever de o mostrar como décadas perdidas para justificar a sua própria existência, e o Estado Novo, reaccionário, anti-liberal e anti-parlamentarista, era, pois, suportado por pessoas que se tivessem nascido 100 anos antes lutariam nas hostes miguelistas contra os vencedores finais. Só muito recentemente tivemos então condições para olhar para essa época sem necessidade de constrangimentos ideológicos e, não diria reabilitá-la, mas vê-la de forma mais neutra. Porque o século de oitocentos foi o século do liberalismo, da primeira experiência constitucional e parlamentar, da primeira democracia (certamente muito imperfeita, mas não muito mais do que as mais avançadas da sua época, pelo menos formalmente), da Regeneração, do começo da actividade industrial em Portugal, do maior salto em frente nas vias de comunicação desde os Romanos, e também claro, do rotativismo "pantanoso", do caciquismo, do Ultimato, da crise económica dos últimos anos da Monarquia, das subversões do parlamentarismo liberal (o Franquismo, por exemplo), das revoltas populares. Foi o século das grandes causas ingénuas, do liberalismo romântico e do positivismo. Foi emfim, o século de D. Pedro IV, de Saldanha, de Mouzinho da Silveira, de Fontes Pereira de Melo, de Garrett, de Antero de Quental, de Oliveira Martins, de José Malhoa, de Rafael Bordalo Pinheiro, de Camilo Castelo Branco, da Geração de 70, de Ramalho Ortigão, de Eça de Queirós. E se hoje está tão em voga comparar a nossa realidade com a do final dessa época, usando citações dos romances de Eça ou de "As Farpas", era bom que esse tempo fosse melhor compreendido.