domingo, março 20, 2005

Mitos (1)

Num post anterior, Não democratizemos a República, nacionalizemo-la, referi que uma certa glorificação de episódios da História de Portugal antecede o Estado Novo. Seja qual for a sua origem, a verdade é que muitos dos mitos que foram sendo construídos criaram raízes entre nós. Desde há 100 anos que têm sido ensinados na 4ª classe e quase ninguém sabe que não são completamente verdadeiros. Nos próximos posts, exporei aqui alguns de que me recordar. O primeiro, e mais antigo, é Viriato.Na mente popular Viriato é o arquétipo do herói português: pastor simples, guerreiro bravo, chefe carismático, amante da liberdade. Sempre com aquela pureza genuína dos "bons selvagens", neste caso, o serrano não corrompido pela civilização romana, cujos exércitos são sistematicamente batidos pelo seu bando de pastores. De acordo com a estátua que dele existe em Viseu, o seu quartel-general seria a zona da Serra da Estrela.Na verdade, o mito de Viriato é quase tão antigo como ele próprio. Já na Antiguidade houve quem quisesse ver nele esse tal ideal de herói romântico, o que reflecte mais as perspectivas ideológicas dos autores do que factos conhecidos. Segundo as fontes da época, Viriato teria tido uma origem diferente da que imaginamos, quase de certeza no Sul da Península, e junto ao Oceano. Era casado com a filha dum caudilho da Andaluzia e, todos os recontros com as tropas romanas que se conhecem tiveram lugar nessa província. Se ele se movimentava tão bem nessa região, parece pouco provável que a sua ligação ao actual território português tenha sido pouco mais que secundária. A dada altura firmou a paz com o governador romano da região e tornou-se "Amigo e Aliado do Povo Romano", mas a guerra recomeçou em breve e Viriato teve que procurar refúgio a norte. Os historiadores pensam que terá sido na zona de Cáceres e Badajoz (muito distante da serra da Estrela ainda...), e enviou sucessivas embaixadas a pedir a paz, até ser assassinado pelos seus próprios companheiros, presumivelmente a isso aliciados pelos romanos. Dessa forma, não só Viriato parece ter muito pouco a ver com o território português (muito menos com a região montanhosa do centro do país), como também não me parece que seja a perfeita imagem dum pastor (de ovelhas e tropas) que corresponda ao ideal romântico. na melhor das hipóteses, não existem dados históricos para afirmar o que quer que seja.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Palavra inventada por mim:

retromito [pronunciado rétró-mito]:

É um retro-mito um mito (ideia) imputada a personagens reais, ficticias ou colectivas (o povo, os portugueses...) que viveram em tempos passados.

Assim, a ideia do Viriato como um herói nacional é um retro-mito. Imputamos ao Viriato o nacionalismo português.

Quem controla o passado, controla o futuro Orwell, 1984

3/21/2005 6:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Claro que o teu anterior post sobre a Primeira República desmontando a ideia que na Primeira República os portugueses eram de alguma forma liberais, ilustra ainda melhor o que é um retromito.

3/21/2005 6:24 da tarde  

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