segunda-feira, novembro 07, 2005

A intifada francesa?

O título de capa da edição de hoje do Público é "A Intifada Francesa". Entretanto o Luís disse-me que a expressão não é deles, o que é previsível. Aliás, só me espanto de, quase duas semanas depois, ainda nunca a ter lido na imprensa nacional até ter passado esta manhã pelo quiosque. De facto os paralelos com a Intifada palestiniana parecem bastantes, a começar pela associação religiosa e a acabar em alguns dos métodos de combate/distúrbios. No entanto, essa expressão, Intifada Francesa, está completamente errada na minha opinião.
A expressão Intifada surgiu após o levantamento palestiniano de 1987 que, segundo os próprios, seria um protesto contra o que viam como a repressão israelita (assassinatos extra-judiciais, demolição de casas, deportações, discrimações várias, etc.), e certamente nascida também dum sentimento de impotência e abandono causado pelos processos de paz entre Israel e alguns dos seus vizinhos árabes como o Egipto e a Jordânia. O termo em si, é uma latinização duma expressão em árabe que significa algo como levantamento, agitação ou ruptura. Até aqui, nada de novo, continua a parecer haver muitos paralelos com os acontecimentos de França.
No entanto, as expressões são criadas para acompanhar os acontecimentos no terreno, para acompanhar a realidade. Sendo assim, parece-me que chamar de Intifada ao que se passa em Paris e noutras cidades francesas há quase duas semanas é uma falácia. E é uma falácia porque, tenha-se a opinião que se tiver sobre o conflito do Médio Oriente, aí havia uma noção relativamente clara de quais os motivos do confronto, de quais as causas por que os manifestantes se batiam, quem era o alvo, qual era a sua base de suporte, ou quão disseminadas essas ideias estavam pela comunidade de origem.
Em França nada disso existe, e pior que isso, chamá-lo de intifada é, na minha opinião, conceder subtilmente uma legitimidade inaceitável aos métodos e objectivos dos grupos de jovens que incedeiam carros e edifícios naquelas noites aparentemente tão longínquas do Sena e da cidade-luz. Porque os primeiros são intoleráveis num estado de direito, e os segundos são nebulosos, incoerentes ou intangíveis na melhor das hipóteses.
A questão que me parece essencial aqui é a associação que se faz entre esses tais grupos e as comunidades de onde serão oriundos no seu todo. Por motivos de guerrilha política, foi conveniente para muita gente que Nicolas Sarkozy, mais as suas declarações politicamente incorrectas, aparecesse inicialmente como um incendiário quando deveria ser o comandante dos bombeiros. Não importa aqui quão despropositadas ou descontextualizadas essas declarações tenham sido, mas o escândalo decoroso duns, e o silêncio táctico doutros (os próprios Primeiro-ministro e Presidente da República entre os últimos), permitiram que se identificassem as comunidades de imigrantes dos bairros degradados dos subúrbios com os desordeiros, que aos olhos dos Estado (ou pelo menos departe dele, Sarkozy e os seus neste caso) todos fossem simultaneamente os racailles, a canalha, do Ministro do Interior.
Ao fazerem isso, deram aos combates de rua a legitimidade que jamais poderiam ter, e deram aos que diariamente icendeiam os seus próprios bairros, um objectivo político irrealista e inaceitável. Ou seja, a partir de então passou a existir uma guerra com o Estado, que depressa se tornou numa guerra com Sarkozy, ie, com uma parte do governo. Como condição para o fim da violência apela-se ao despedimento do Ministro do Interior, como se algum governo com um mínimo de decoro e amor-próprio pudesse sequer pensar em ceder a bandos de desordeiros. Porque, por muito justas que sejam as reivindicações e queixas das pessoas e comunidades que habitam esses bairros degradados da periferia das grandes cidades europeias, jamais podem ser representados por aquilo que esses grupos são na realidade, bandos de desordeiros (e se não são desordeiros no dia-a-dia, nisso se transformam todas as últimas noites)! E nenhum de nós pode cair no erro de os considerar outra coisa que não isso, e de os confundir com as suas comunidades de origem, ou a luta duns com a dos outros.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito bom.

A expressão "French Intifada" tem muitos resultados no google. Em português "Intifada Francesa" aparece nos blogues liberais que se sabe que o JMF lê.

É ainda de referir que a Intifada original está baseada em grupos políticos (originalmente OLP e agora Hammas) com estruturas organizacionais o que não acontece aqui.

11/07/2005 7:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Very cool design! Useful information. Go on! » »

3/05/2007 2:54 da manhã  

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