quinta-feira, novembro 10, 2005

Post a fugir da norma

No meio de todas as catástrofes ambientais e climáticas, entalado entre o fogo cruzado de todas as discussões científicas, pseudo-científicas e políticas sobre as alterações climáticas, sentindo na pele a bizarria cresecente das estações tradicionais, é com conforto que constato que o Verão de S. Martinho ainda é o que era!

P.S.: Bem sei que o S. Martinho é só amanhã, mas hoje é que vou comer as castanhas. Enquanto houver castanha assada, água-pé e amigos a aquecerem-nos o corpo e os corações, quero lá saber das presidenciais e da crise!

quarta-feira, novembro 09, 2005

Há 70 anos em Bagdad...

...produzia-se propaganda bem mais lúcida que nas décadas seguintes. Nem sempre o progresso acompanha o calendário; essa é a lição do século XX.

segunda-feira, novembro 07, 2005

A intifada francesa?

O título de capa da edição de hoje do Público é "A Intifada Francesa". Entretanto o Luís disse-me que a expressão não é deles, o que é previsível. Aliás, só me espanto de, quase duas semanas depois, ainda nunca a ter lido na imprensa nacional até ter passado esta manhã pelo quiosque. De facto os paralelos com a Intifada palestiniana parecem bastantes, a começar pela associação religiosa e a acabar em alguns dos métodos de combate/distúrbios. No entanto, essa expressão, Intifada Francesa, está completamente errada na minha opinião.
A expressão Intifada surgiu após o levantamento palestiniano de 1987 que, segundo os próprios, seria um protesto contra o que viam como a repressão israelita (assassinatos extra-judiciais, demolição de casas, deportações, discrimações várias, etc.), e certamente nascida também dum sentimento de impotência e abandono causado pelos processos de paz entre Israel e alguns dos seus vizinhos árabes como o Egipto e a Jordânia. O termo em si, é uma latinização duma expressão em árabe que significa algo como levantamento, agitação ou ruptura. Até aqui, nada de novo, continua a parecer haver muitos paralelos com os acontecimentos de França.
No entanto, as expressões são criadas para acompanhar os acontecimentos no terreno, para acompanhar a realidade. Sendo assim, parece-me que chamar de Intifada ao que se passa em Paris e noutras cidades francesas há quase duas semanas é uma falácia. E é uma falácia porque, tenha-se a opinião que se tiver sobre o conflito do Médio Oriente, aí havia uma noção relativamente clara de quais os motivos do confronto, de quais as causas por que os manifestantes se batiam, quem era o alvo, qual era a sua base de suporte, ou quão disseminadas essas ideias estavam pela comunidade de origem.
Em França nada disso existe, e pior que isso, chamá-lo de intifada é, na minha opinião, conceder subtilmente uma legitimidade inaceitável aos métodos e objectivos dos grupos de jovens que incedeiam carros e edifícios naquelas noites aparentemente tão longínquas do Sena e da cidade-luz. Porque os primeiros são intoleráveis num estado de direito, e os segundos são nebulosos, incoerentes ou intangíveis na melhor das hipóteses.
A questão que me parece essencial aqui é a associação que se faz entre esses tais grupos e as comunidades de onde serão oriundos no seu todo. Por motivos de guerrilha política, foi conveniente para muita gente que Nicolas Sarkozy, mais as suas declarações politicamente incorrectas, aparecesse inicialmente como um incendiário quando deveria ser o comandante dos bombeiros. Não importa aqui quão despropositadas ou descontextualizadas essas declarações tenham sido, mas o escândalo decoroso duns, e o silêncio táctico doutros (os próprios Primeiro-ministro e Presidente da República entre os últimos), permitiram que se identificassem as comunidades de imigrantes dos bairros degradados dos subúrbios com os desordeiros, que aos olhos dos Estado (ou pelo menos departe dele, Sarkozy e os seus neste caso) todos fossem simultaneamente os racailles, a canalha, do Ministro do Interior.
Ao fazerem isso, deram aos combates de rua a legitimidade que jamais poderiam ter, e deram aos que diariamente icendeiam os seus próprios bairros, um objectivo político irrealista e inaceitável. Ou seja, a partir de então passou a existir uma guerra com o Estado, que depressa se tornou numa guerra com Sarkozy, ie, com uma parte do governo. Como condição para o fim da violência apela-se ao despedimento do Ministro do Interior, como se algum governo com um mínimo de decoro e amor-próprio pudesse sequer pensar em ceder a bandos de desordeiros. Porque, por muito justas que sejam as reivindicações e queixas das pessoas e comunidades que habitam esses bairros degradados da periferia das grandes cidades europeias, jamais podem ser representados por aquilo que esses grupos são na realidade, bandos de desordeiros (e se não são desordeiros no dia-a-dia, nisso se transformam todas as últimas noites)! E nenhum de nós pode cair no erro de os considerar outra coisa que não isso, e de os confundir com as suas comunidades de origem, ou a luta duns com a dos outros.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Blue Train

Dispensa texto...

Século XIX? Prazer em conhecê-lo!

Quando nos deparamos com resumos da História de Portugal orientados para o grande público, por exemplo, em artigos de enciclopédias ou revistas de promoção turística, verificamos que quase todos começam por referir brevemente alguns povos do Bronze e do Ferro, em particular os Lusitanos que são óptimos para logo de seguida introduzir a romanização. Seguem-se brevíssimas referências aos Godos e Muçulmanos, e de seguida entra-se finalmente na História de Portugal propriamente dito. A Reconquista tem sempre destaque, mas o resto da Idade Média nem tanto, para depois se introduzir a "revolução" de 1383/85. A partir daí entramos na época áurea da História e amplos parágrafos nos dão a conhecer o Infante D. Henrique, os navegadores, as viagens, os reis e as conquistas. Em 1580 a luz do país apaga-se e voltam a acendê-la em 1640. Os redactores entram então em velocidade de cruzeiro ao escreverem sobre o Brazil, o terramoto e o Marquês, as invasões francesas e a independência da colónia sul-americana. Por esta altura o artigo já vai longo, mas ainda é necessário dedicar algumas linhas à implantação da República, à ditadura de Salazar e à Revolução dos Cravos e consequente normalização democrática e independência das colónias africanas. Em 1986 Portugal adere à CEE. E pronto, está feito! "Então mas... e o século XIX?", pergunta o leitor mais curioso. Ah, é verdade, entretanto houve uma guerra civil ganha pelos liberais, um mapa côr-de-rosa e uma monarquia cada vez mais podre que em 1910 nem deu luta. "Ok, obrigado!"

O século XIX fica assim comprimido entre as memoráveis glórias e desgraças do passado anterior e as críticas convulsões do seguinte, que no fundo ainda é o nosso século (quantos é que quando ouvem a expressão "século passado" não a associam ainda ao século XIX?). Mesmo descartando o âmbito específico do tipo de artgos que referi acima, o português médio (o que quer que isso seja- aliás, até tenho medo de o descobrir) pouco ou nada sabe dos anos de 1800s para além do seu início e do seu final (que para todos os efeitos, em Portugal é 1910, não 1900). E no entanto, o século XIX foi um periodo de grandes transformações e acontecimentos, e a Grande Parideira Pátria foi bem generosa em dar à luz imensas personagens influentes na vida nacional dos últimos 200 anos. Porque razão é que cento e tal anos e 3 Constituições depois (1911, 1933 e 1976) esses anos são tão pouco conhecidos e discutidos fora dos círculos académicos, e ainda aí, só mesmo nos últimos anos. É muito simples: politicamente, o século XIX foi o século do liberalismo e da monarquia parlamentar. A I República tinha o dever de o mostrar como décadas perdidas para justificar a sua própria existência, e o Estado Novo, reaccionário, anti-liberal e anti-parlamentarista, era, pois, suportado por pessoas que se tivessem nascido 100 anos antes lutariam nas hostes miguelistas contra os vencedores finais. Só muito recentemente tivemos então condições para olhar para essa época sem necessidade de constrangimentos ideológicos e, não diria reabilitá-la, mas vê-la de forma mais neutra. Porque o século de oitocentos foi o século do liberalismo, da primeira experiência constitucional e parlamentar, da primeira democracia (certamente muito imperfeita, mas não muito mais do que as mais avançadas da sua época, pelo menos formalmente), da Regeneração, do começo da actividade industrial em Portugal, do maior salto em frente nas vias de comunicação desde os Romanos, e também claro, do rotativismo "pantanoso", do caciquismo, do Ultimato, da crise económica dos últimos anos da Monarquia, das subversões do parlamentarismo liberal (o Franquismo, por exemplo), das revoltas populares. Foi o século das grandes causas ingénuas, do liberalismo romântico e do positivismo. Foi emfim, o século de D. Pedro IV, de Saldanha, de Mouzinho da Silveira, de Fontes Pereira de Melo, de Garrett, de Antero de Quental, de Oliveira Martins, de José Malhoa, de Rafael Bordalo Pinheiro, de Camilo Castelo Branco, da Geração de 70, de Ramalho Ortigão, de Eça de Queirós. E se hoje está tão em voga comparar a nossa realidade com a do final dessa época, usando citações dos romances de Eça ou de "As Farpas", era bom que esse tempo fosse melhor compreendido.